No próximo mês, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) cobrado de sociedades uniprofissionais vai aumentar na cidade de São Paulo. A medida está ancorada na Lei 17.719, de 26 de novembro do ano passado — que alterou dispostivos da lei paulistana do ISS (Lei 13.701/2003) aplicáveis a sociedades cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade. É o caso de advogados, médicos, psicólogos, engenheiros e contadores, por exemplo.
A lei presume uma receita bruta mensal per capita dessas sociedades — sobre a qual incidirá a alíquota de 5% do ISS — de acordo com o número de sócios que as compõem. Antes da alteração, havia uma base de cálculo fixa para cada sócio. A partir de fevereiro, essa base aumenta consideravelmente, de forma escalonada:
- Até 5 profissionais: R$ 1.995,26
- De 6 a 10 profissionais: R$ 5 mil
- De 11 a 20 profissionais: R$ 10 mil
- De 21 a 30 profissionais: R$ 20 mil
- De 31 a 50 profissionais: R$ 30 mil
- De 51 a 100 profissionais: R$ 40 mil
- Mais de 100 profissionais: R$ 60 mil
Assim, um grupo com 25 associados, por exemplo, pagará em 2022 cerca de R$ 121 mil a título de ISS, ante cerca de R$ 40 mil em 2021 — quase três vezes mais.
Especialistas consultados pela ConJur fizeram duras críticas à lei municipal. Para Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT) e sócio do escritório Natal & Manssur, o efeito negativo dessa alteração será enorme.
“O impacto financeiro, a partir de 2022, será expressivo, pois alteram-se os valores das bases de cálculo e, ao que indica a nova lei, a incidência passará a ser mensal”.
Ele explica que a lei paulistana apresenta problemas constitucionais: “A lei municipal fere o princípio constitucional de vedação à tributação confiscatória, pois o aumento será de mais de 100%. Além disso, fere o princípio da isonomia, pois a nova lei equipara, para fins de aplicação das novas bases de incidência, as Sociedades de Serviço Pessoal (SUP) e outras sociedades cuja prestação de serviços não são de caráter pessoal, mas empresarial. A OAB-São Paulo e o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Ceat) já se organizam para acionar a Justiça”, diz ele.
O também tributarista Breno Dias de Paula é outro crítico da lei. “Cuida-se de verdadeira reforma jurisprudencial por ativismo do legislador. Os municípios não aceitaram a derrota no STF e a prevalência do ISS uniprofissional. Agora criam base de cálculo inconstitucional e muito superior à própria base do ISS fixo. Mais insegurança jurídica para o país”, argumenta.
Em coluna publicada na ConJur, os tributaristas Igor Mauler Santiago, Alexandre Evaristo Pinto e Caio Augusto Takano, a lei é inconstitucional porque o regime de ISS paulistano não é compatível com a norma geral de ISS — no caso, o Decreto-Lei 406/68, que veda terminantemente a utilização da “importância paga a título de remuneração do próprio trabalho” como critério para o cálculo do ISS na situação em análise, pouco importando se esta é aferida de maneira direta ou indireta. “De fato, muito poucas força e utilidade teria a norma geral se fosse possível burlá-la de forma tão singela e escancarada”, afirmam.
Além disso, segundo eles, a nova tabela com as bases de cálculo viola os princípios da igualdade (CF, artigos 5º, caput, e 150, inciso II), da capacidade contributiva (CF, artigo 145, parágrafo 1º) e da razoabilidade (CF, artigo 5º, inciso LIV — due process of law em sua vertente substantiva), padecendo também, assim, “de clara inconstitucionalidade material”.
Thiago de Mattos Marques, do escritório Bichara Advogados, vai na mesma linha, sustentando que a lei do município de São Paulo aparentemente violou o que determina a legislação federal de regência do ISS. Ele explica que, conforme determinam os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/1968, no caso das sociedades uniprofissionais, o ISS será calculado em relação a cada profissional habilitado.
“Essa metodologia de cálculo das sociedades uniprofissionais impede que o ISS devido por essas sociedades seja apurado com base em seu faturamento. Nesse particular, é importante frisar que em 2001 o STF declarou que esse trecho do Decreto-Lei nº 406/1968 foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei complementar — a que cabe, nos termos do artigo 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, disciplinar a base de cálculo dos tributos”, argumenta.
O tributarista cita o julgamento do RE 940.769/RS, de 2019, em que o Plenário do STF decidiu que “é incabível lei municipal instituidora de ISSQN dispor de modo divergente (do Decreto-Lei nº 406/1968) sobre base de cálculo do tributo”.
“Ao deslocar a forma de tributação das sociedades uniprofissionais do valor fixo por profissional para essa modalidade que envolve faixas de receita bruta mensal arbitradas para cada sociedade, a depender do número de profissionais, o município de São Paulo desvirtuou cobrança do ISS dessas sociedades”, afirma Marques.
Ao que tudo indica, a nova lei deve gerar um grande contencioso tributário. Se prevalecer o direito estrito — dizem Mauler Santiago, Evaristo Pinto e Takano —”há de findar com mais uma vitória dos contribuintes”.
Fonte: Consultor Jurídico
Publicado originalmente no link.